quarta-feira, 20 de fevereiro de 2008

Tesoureiro milionário


Quando entrou para o governo, Ricardo Sérgio declarou um patrimônio de R$ 1,4 milhão. Sete anos depois, o homem acusado de pedir propina de R$ 15 milhão na privatização da Vale do Rio Doce é sócio de um negócio de R$ 50 milhões


Ana D’Angelo
Do Estado de Minas
Gilberto Travesso/EM

Stand de vendas que está sendo construído no terreno de Ricardo Sérgio no Morumbi, em São Paulo. um conjunto de casas de luxo que soma R$ 50 milhões


Procuração da empresa Antares Participações Ltda ...


... cujo dono é o engenheiro Ronaldo de Souza ...

... concede a Ricardo Sérgio de Oliveira amplos poderes para gerir a empresa


De onde Ricardo Sérgio, ex-diretor do Banco do Brasil e ex-tesoureiro das campanhas de José Serra ao Senado e à prefeitura de São Paulo, Ricardo Sérgio, tirou tanto dinheiro? Quando ele chegou ao governo, em 1995, declarou à Receita Federal um patrimônio de R$ 1,4 milhão, acumulado em mais de 20 anos de vida profissional no mercado financeiro. Durante sua passagem pelas entranhas do poder público, seu patrimônio começou a dar saltos expressivos. Em 1998, tinha passado para R$ 3,3 milhões. Declarados, é bom destacar. Para chegar a tal volume, declarou ter recebido naquele ano cerca de R$ 1,4 milhão em salários (do Banco do Brasil), aplicações e lucros de suas empresas, a corretora RMC e a Planefin. Em 1999, já tinha bala na agulha para comprar prédios de R$ 11 milhões. É uma capacidade de multiplicação de fazer inveja ao megainvestidor George Soros.

A multiplicação milionária, porém, não pára aí. No próximo mês, Ricardo Sérgio terá nas mãos um negócio com potencial de R$ 50 milhões, que está em nome da Antares Participações Ltda.. Oficialmente, essa empresa pertence a Ronaldo de Souza. Mas ele passou uma procuração para Ricardo Sérgio concedendo-lhe ‘‘amplos poderes’’ para gerir a empresa, inclusive para remeter dinheiro para o exterior (como demonstram os fac-similes reproduzidos nesta página).

Propina de R$ 15 milhões

Ricardo Sérgio de Oliveira, 56 anos, é o personagem central de uma denúncia publicada na revista Veja desta semana que abala seriamente a candidatura do candidato do PSDB à Presidência da República, José Serra. De acordo com a denúncia, ele cobrou do empresário Benjamin Steinbruch uma propina de R$ 15 milhões pela compra da Companhia Vale do Rio Doce. No Banco do Brasil, Ricardo Sérgio foi o responsável por conceder cartas de fiança e montar consórcios com os fundos de pensão das estatais para as empresas que participaram das privatizações feitas pelo governo.

Ricardo Sérgio nega que tenha cobrado a propina. Mas os negócios imobiliários que começou a fazer depois que deixou o governo impressionam pelos números milionários. No setor imobiliário, está construindo um pequeno império, em parceria com seu antigo colega, o engenheiro Ronaldo de Souza. O primeiro imóvel foi um apartamento luxuoso em São Paulo, avaliado em R$ 1 milhão, para onde se mudou em abril de 1998. Em 1999, instalou sua empresa, a Planefin, e a Consultatum, de seu colega Ronaldo, em duas salas, que ocupam todo um andar de endereço nobre de São Paulo, nos Jardins, e que custaram R$ 900 mil. No mesmo ano, adquiriu dois prédios comerciais, um no Rio de Janeiro e outro em São Paulo, por R$ 11 milhões, também em parceria com o amigo.

Tacada ousada

Agora, a dupla prepara-se para a tacada mais ousada. Eles participam, junto com a construtora Company Tecnologia de Construções, de um empreendimento imobiliário de R$ 50 milhões. É um condomínio residencial fechado no bairro chique do Morumbi, na capital paulista, que será lançado no mês que vem. São 52 casas de padrão médio a alto, com quatro quartos, duas suítes, home theater e outras mordomias. Custarão, cada uma, de R$ 600 mil a R$ 700 mil.

A obra no Morumbi está em fase de pré-lançamento. Operários começaram há duas semanas a sondagem do terreno. O estande de vendas já está sendo construído no local. As vendas estão a cargo da Lopes Consultoria Imobiliária. O lançamento será no mês que vem. As casas ficam prontas em 2004.

A dona do terreno, avaliado em R$ 17 milhões, é a Antares Participações Ltda, empresa constituída por Ronaldo de Souza em setembro de 1998, pouco mais de um mês depois da a privatização das empresas de telefonia. Um ano depois, a empresa se tornou subsidiária da Antar Venture Investments, que fica nas Ilhas Virgens Britânicas, famoso paraíso fiscal do Caribe. A procuração para Ricardo Sérgio demonstra que ele atua como o verdadeiro dono da Antares.

O primeiro passo para o meganegócio foi dado em outubro de 1998, um mês antes de estourar o escândalo do grampo do BNDES que revelou os bastidores das privatizações. A Antares adquiriu um dos poucos terrenos que ainda existem no Morumbi disponíveis para empreendimentos imobiliários. São, na realidade, três áreas, que somam 28 mil metros quadrados, localizadas na rua Pedro Avancine, em frente ao vistoso prédio da seguradora Sul América. O imóvel pertencia ao fundo Sigma de investimento imobiliário, administrado pelo Banco Itaú.

Uma pechincha

À primeira vista, o negócio foi uma pechincha. A Antares pagou R$ 7,1 milhões, integralmente, por meio de DOC. Mas o terreno custa bem mais. Foi avaliado em cerca de R$ 17 milhões por especialistas e corretores de três construtoras grandes de São Paulo, a pedido do Estado de Minas.

O metro quadrado naquela região vale hoje em torno de R$ 600. Ao desembolsar apenas R$ 7,1 milhões, a Antares pagou o equivalente a R$ 253 o metro quadrado. Mais estranho ainda é quando se verifica o documento do imóvel no 15º Cartório de Registro. O imóvel foi vendido em novembro de 1996 pela Globo Comunicações e Participações (a Globopar) por R$ 22,5 milhões ao fundo imobiliário administrado pelo Itaú.

Conforme procuração lavrada no 27º Cartório de Notas de São Paulo, a Antares autorizou a Company a fazer a incorporação (promover e realizar a construção), registrar e vender o empreendimento. É uma parceria comum no mercado imobiliário. Nesse caso, há um contrato particular entre as duas empresas estabelecendo a parte de cada uma no negócio. Um dos sócios-diretores da Company, Walter Lafemina, confirmou que a Antares é ‘‘sócia’’ do emprendimento. Ele não quis revelar, porém, o tamanho da participação da empresa no negócio.

Ricardo Sérgio foi nomeado representante da Antares para administrar seus negócios em 9 de agosto de 2001, conforme atesta procuração no 16º Tabelião de Notas de São Paulo. Foi quando o projeto do empreendimento do condomínio começou a tomar forma.
Para o procurador Luiz Francisco de Souza, que investiga as denúncias de corrupção e enriquecimento ilícito de Ricardo Sérgio, ‘‘todas as evidências e indícios, inclusive documentos, apontam que Ronaldo de Souza não passa de testa de-ferro’’ do ex-diretor do Banco do Brasil. ‘‘A dinheirama que Ricardo Sérgio vem movimentando é absolutamente suspeita’’, diz o procurador da República Luiz Francisco de Souza.

Ronaldo de Souza foi procurado por telefone em sua empresa, a Consultatum, no final da tarde de sexta-feira, mas não foi encontrado. Ricardo Sérgio também não deu retorno. Anteriormente, porém, Ricardo Sérgio dissera não ser dono ‘‘direta ou indiretamente’’ de empresa no exterior.

A história de uma propina


De acordo com a revista Veja, o empresário Benjamin Steinbruch queixou-se a várias pessoas que o ex-diretor do Banco do Brasil Ricardo Sérgio de Oliveira cobrou uma propina de R$ 15 milhões na compra da Companhia Vale do Rio Doce.


Ricardo Sérgio era o responsável por reunir fundos de pensão de estatais para participar em consórcios em privatizações. Os R$ 15 milhões seriam uma espécie de ‘‘prêmio’’ por ter reunido os fundos que se associaram a Steinbruch na compra da Vale.


Duas das pessoas do governo a quem Steinbruch queixou-se deram entrevista a Veja: o ex-ministro das Comunicações Luiz Carlos Mendonça de Barros e o ministro da Educação, Paulo Renato de Souza.


Paulo Renato disse que Ricardo Sérgio informou a Steinbruch que pedia a propina ‘‘em nome de tucanos’’.


Ricardo Sérgio multiplicou seu patrimônio no período em que esteve no governo. Declaradamente, de R$ 1,4 milhão para mais de R$ 3 milhões. Ele, porém, está envolvido com negócios que ultrapassam os R$ 50 milhões.


Ricardo Sérgio foi caixa das campanha de José Serra para o Senado e para a prefeitura de São Paulo. Também foi arrecadador da campanha do presidente Fernando Henrique Cardoso em 1998.

http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20020506/pri_pol_060502_195.htm

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