Acusado de receber propina durante a privatização do sistema de telefonia, para favorecer o consórcio que comprou a Telemar, ex-diretor do BB comanda empresa com sede nas Ilhas Virgens
O ex-diretor do Banco do Brasil (BB) Ricardo Sérgio de Oliveira, acusado de receber propina na privatização do Sistema Telebrás, administra os negócios de uma empresa com sede em paraíso fiscal. Documentos da Junta Comercial de São Paulo revelam que o empresário Ronaldo de Souza, colega antigo e parceiro de Ricardo Sérgio em operações com fundos de pensão, é sócio de uma off-shore, como é conhecida esse tipo de empresa, com 99% do seu capital nas Ilhas Virgens Britânicas, no Caribe. A informação foi divulgada na edição de domingo do jornal Estado de Minas, em reportagem dos jornalistas Ana D’Angelo e Antônio Carlos Silveira.
Segundo a matéria, não é Ronaldo de Souza quem manda na sua parte na off-shore. Ricardo Sérgio recebeu procuração do parceiro, para administrar todos os negócios da empresa, o que inclui a eventual remessa de dinheiro para o exterior. A dupla já havia executado a mesma parceria e roteiro na operação envolvendo a aquisição de dois imóveis da Petros, do fundo de pensão dos funcionários da Petrobras, revelada pelo também Estado de Minas na última quarta-feira.
Digitais
O ex-diretor do BB — que foi tesoureiro da campanha do senador José Serra à prefeitura de São Paulo em 1996 —, comprou metade de dois prédios do fundo, um no Rio de Janeiro e outro em Belo Horizonte, por meio da sua empresa Planefin. A outra metade foi comprada pela Consultatum, que está em nome de Souza. No entanto, Ricardo Sérgio e sua mulher, Elizabeth Salgueiro, receberam procurações de Souza para administrar a parte de Souza nos imóveis, inclusive uma conta-corrente no Banco Itaú.
As ‘‘digitais’’ da off-shore estão numa procuração registrada no 16º Cartório de Ofício de Notas de São Paulo. O documento relata que Ronaldo de Souza é sócio da Antares Participações Ltda., uma empresa do ramo imobiliário, que atua na incorporação, compra, venda e aluguel de imóveis. Ela foi criada em 9 de setembro de 1998, pouco mais de um mês depois da privatização das empresas do sistema Telebrás, com capital social de R$ 2 milhões. A mulher de Souza, a museóloga Vera Regina Freire de Souza, também era sócia. Ela detinha a maior participação: R$ 1,98 milhão. O marido possuía apenas R$ 20 mil.
Acerto de laranjas
Em 15 de dezembro de 1999, o capital da Antares foi ampliado para R$ 5 milhões, seis dias depois de Souza nomear Ricardo Sérgio para administrá-la. Nesse momento, a empresa sofreu sua mais importante mudança: ela se tornou subsidiária da Antar Venture Investments, para a qual vendeu a maior parte das suas cotas. A off-shore fica na Ilha de Tortola, uma das maiores e das mais belas das Ilhas Virgens Britânicas.
Vera Regina retirou-se do negócio e as cotas do marido na Antares Participações foram reduzidas para R$ 50 mil, exato 1%. A off-shore passou a deter, assim, R$ 4,95 milhões do capital existente na Antares (99%). Isso significa que Antar Venture dispõe dessa bolada aqui no Brasil. E pode levá-la a qualquer momento para o Caribe.
Embora tenha deixado de ser sócia, Vera Regina recebeu procuração do marido também para gerir a Antares, que fica no mesmo endereço da Consultatum, a outra empresa de Souza. Coincidentemente, as duas empresas dividem o mesmo andar com a Planefim, de Ricardo Sérgio, num prédio luxuoso da Alameda Santos, região nobre, de São Paulo.
Procurado na sexta-feira, Ricardo Sérgio mandou dizer, por meio de sua assessoria de imprensa, que não é dono, direta ou indiretamente, da Antares Participações. Questionado sobre a procuração, disse que ‘‘ela (a procuração) fala por si mesma’’. ‘‘O jornal me tratou como ‘laranja’ e eu não atendo ao jornal de vocês’’, limitou-se a dizer o empresário Ronaldo de Souza, localizado por telefone na sede da Consultatum e da Antares.
Entenda o caso
Investigação
O Ministério Público Federal abriu investigação, em 1999, para apurar a atuação de Ricardo Sérgio de Oliveira no processo de privatização das empresas de telefonia, em julho de 1998. Conversas gravadas por grampos telefônicos no BNDES, em novembro de 1998, revelaram articulações para a vitória de determinados consórcios. Como diretor do Banco do Brasil, Ricardo Sérgio emitiu cartas-fiança irregulares para diversos grupos, incluindo o Opportunity, de Daniel Dantas. Ele também pressionou os fundos de pensão a entrar no consórcio montado pelo empresário Carlos Jereissati, que levou a Tele Norte Leste, atual Telemar.
Propina
Em março de 1999, o então senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA) acusou Ricardo Sérgio de ter recebido propina de cerca de R$ 90 milhões para ajudar o grupo de Jereissati. A ponte para viabilizar o pagamento teria sido a empresa Rivoli, subsidiária do grupo La Fonte, de Jereissati, que passou a deter participação de 3,58% na Tele Norte Leste, em março de 1999.
Caixa dois
A Receita Federal investiga as declarações de renda de oito pessoas que coletaram dinheiro para o caixa dois da reeleição de FHC. Entre as declarações estão as de Ricardo Sérgio. Ele movimentou R$ 4,5 milhões em 1998 e 1999, valor incompatível com seus rendimentos.
Ligações perigosas
Quando foi transferida para Carlos Jereissati a Rivoli teve seu capital aumentado para R$ 32 milhões. Em 26 de julho de 1999, a Rivoli passou 3,3% das suas cotas para as outras três sócias privadas da Telemar (Andrade Gutierrez, Macal e Inepar). Na mesma data, Luiz Rodrigues Corvo, advogado de Ricardo Sérgio, foi nomeado procurador da Rivoli. Com apenas 0,27% de participação no consórcio Telemar, a empresa foi incorporada pelo grupo La Fonte, em abril de 2000.
Prédios
Durante a existência da Rivoli na Telemar, Ricardo Sérgio adquiriu, em parceria com Ronaldo de Souza dois prédios comerciais do fundo Petros, no valor atual de R$ 13,7 milhões, em condições facilitadas de pagamento. A venda do primeiro prédio foi aprovada pela diretoria da gestão anterior da Petros em 11 de março de 1999, um dia após a transferência da Rivoli para Carlos Jereissati. O fundo aprovou a transferência do segundo prédio em 17 de agosto de 1999. Segundo o Ministério Público Federal, a coincidência das datas entre a Rivoli e as transações dos prédios são evidências da relação entre os dois fatos.
Sigilo pode ser quebrado
A legislação atual permite a quebra de sigilo bancário pela Receita Federal de empresas ligadas a off-shores sem necessidade de autorização judicial. A novidade foi introduzida pela Lei Complementar 105, de 10 de janeiro de 2001. Mas, para a medida ser aplicada, é necessário que haja indícios de suspeitas de operações irregulares.
Ter uma off-shore, ou seja, uma empresa em países classificados como paraíso fiscal, não é crime. Esses países são muito procurados porque têm uma tributação menor. A Secretaria da Receita Federal classifica como paraíso fiscal todos os países com tributação da renda abaixo de 20%. O órgão divulga periodicamente a lista desses paraísos. Atualmente, a relação contém mais de 40 países.
Legislação flexível
O problema é que esses países são, geralmente, usados para a lavagem de dinheiro de origem ilícita, como o narcotráfico, a corrupção e fraudes financeiras. Eles têm em comum o fato de possuir legislação societária e financeira mais flexível e sigilo bancário muito rígido. Há vários meios que impedem a identificação do verdadeiro dono dos recursos, como sistema de ações ao portador.
Os recursos saem do país por alguma via, não necessariamente legal, e retornam por meio de subscrição de capital feita pela off-shore na sua subsidiária brasileira. Assim, o dinheiro fica no Brasil de forma lícita. Ou seja, limpo. Daí, a denominação de lavagem.
http://www2.correioweb.com.br/cw/EDICAO_20020415/pri_pol_150402_189.htm
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